O sangue, a vida, o disfarce

A estima pela vida não pode ser explicada pelos prazeres que dela tiramos; não pode ser a síntese das conquistas que tivemos; não pode ser consequência dos afetos que nutrimos. A vida só encontra justificativa na capacidade de se disfarçar de tantas vidas improváveis, de se desmembrar em tantas outras vidas imagináveis, extraindo do sangue que daí viceja a indenização plausível a essa sua natureza retraída. A estima pela vida só é aceitável se ela for muitas, sem escusas, sem escudos.
O Homem tem sua apoteose na rescisão das convenções, e, da poda de dogmatismos, erige os disfarces de que precisa para ser livre, ser vários, ser eterno. Nessa obra, a vida é desenformada de seus segredos e o Homem é vigiado no calabouço de seus sonhos e pesadelos. Ao ficarem sob espreita, personagens desfilam, à revelia de cartilhas morais, no labirinto de suas emoções, ressignificando medos, dores, angústias e amores. Talham códigos de conduta e oferecem-se em holocausto a leitores que, certos de seus limites, veem, no banquete de cada tipo humano dessas páginas, a possibilidade de perscrutarem as bordas de suas existências e de ouvirem as vozes de suas latências.