Entre Palavras

Descrição

O que é poesia? Manoel de Barros respondeu: “uma voz de fazer nascimentos”. Ferreira Gullar completou: “poesia é o que nasce do espanto”. Já para a fluminense Gisele Clara, autora estreante com Entre Palavras, poesia é vida em movimento, um ciclo contínuo de dor e alegria, frustração e conquista, mistério e descoberta.

Essa visão transparece nos 65 poemas que compõem o livro. Ao tratar de temas como tempo, saudade, amor e esperança, Gisele percorre seus próprios dilemas e devaneios, revelando uma voz que busca amadurecimento pessoal e artístico. Como quem observa a rua pela janela, ela se debruça sobre a própria alma e nos convida a fazer o mesmo diante do espelho.

Há algo de confessional na escrita: um processo de autoterapia, em que a palavra vira cura. Mas não há espaço para a melancolia. Seus versos reconhecem nossas falhas e medos, sem abrir mão das virtudes e da coragem. Com isso, oferecem ao leitor um convite ao autoconhecimento, com fé, sinceridade e gratidão.

Essa força íntima da poesia de Gisele se manifesta em uma palavra que se repete como um mantra: intensidade. Ao longo das páginas, esse termo ganha corpo, torna-se concreto. É a seta invisível que atravessa os poemas, apontando para o sentido oculto da vida cotidiana como se, nas entrelinhas, habitasse o cerne da experiência poética.

Livre de estruturas fixas como rima ou métrica, os textos de Gisele flertam com a prosa. Frases curtas, diretas e ritmadas criam uma leitura leve, quase como um diário. Seu lirismo despretensioso estabelece uma relação de proximidade com o leitor, como se cada poema fosse uma conversa íntima e silenciosa.

Esse tom pessoal estabelece um elo entre quem escreve e quem lê. Os versos falam da autora, mas revelam, sobretudo, quem os interpreta. Nesse jogo de espelhos, Gisele se entrega, mas também nos reflete.

O título do livro não poderia ser mais adequado. Entre Palavras pode ser o espaço onde a poeta organiza emoções e transforma silêncio em verso. Pode significar também uma pausa, um destaque como quem coloca algo entre parênteses ou aspas. No fim, é um convite para estar entre nós, compartilhando sentimentos em comum.

Sua linguagem transita entre o coloquial e o filosófico. Em um poema, lemos: “Deixa-me as horas, o sono, as vírgulas, as palavras… Lavo o rosto e calço o sapato. Tentarei!”. Em outro, um pensamento de fundo existencial: “Só quem ama já notou o apelo da eternidade”. Gisele mistura registros com naturalidade, criando uma lupa poética que amplia os detalhes despercebidos do cotidiano.

Há também frases de impacto que soam como provérbios contemporâneos diretas e memoráveis, como em: “o olhar de uma partida é a certeza de quem leva metade de nós” ou “tu te tornas eternamente responsável pelos sonhos que compartilhas”. Em vez de clichês, suas palavras soam como traduções possíveis dos nossos próprios sentimentos.

Ao final da leitura, fica claro: se para Manoel de Barros e Gullar a poesia nasce do espanto e do nascimento, para Gisele Clara, ela é movimento constante, necessário e transformador.

Gisele Clara de Porciúncula (RJ). Graduada em Letras, atuou como professora de Língua Portuguesa e Literatura em Espera Feliz (MG), e hoje ela trabalha/dedica há uma Instituição para crianças com TEA na cidade de Porciúncula, onde reside. Entre Palavras é seu livro de estreia, publicado pela Editora Multifoco. Estudante de psicanálise, a escritora tem se dedicado `a finalização do seu segundo livro.