A palavra soprada

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Autor: Hudson R. Santos
Ano: 2019
Gênero: Poesi
ISBN: 9788582737780
Páginas: 48
Selo: Birrumba

Descrição

Luís Felipe Lucena

Começo com uma notícia filosófica, mas apenas para fazer vibrar com o livro. Jaccques Derrida conta que o amigo e filósofo Emmanuel Levinas, quando falava ao telefone, costumeiramente sofria imensa angústia a cada instante em que a interlocução interrompia diante o silêncio ou o sem resposta do outro, situação que levava-o a recuperar a fala um “alô?Alô?” entre cada frase, por vezes até mesmo no meio delas. O relato consta num belíssimo discurso de à deus proferido pelo primeiro diante a cerimônia da derradeira despedida do segundo. Em todo seu discurso, mas de modo especial nesse trecho – que poderia passar por contingente, a depender das forças a inquerir o texto, Derrida faz ecoar a ambígua presença do amigo para quem a verdadeira vida sempre esteve ausente. Ainda ambiguamente, o filósofo Derrida fala para recuperar a voz do amigo do terrível aniquilamento e para assumir, ele próprio e os que foram próximos ao amigo morto, o “alô, alô?” com mistério e a memória. Talvez esse pequeno trecho seja o poema da ética de sustentar a linha com o outro lado, como uma forma de escrita.

Talvez seja esse o ponto.

O autor de A palavra soprada é meu amigo, mas antes alguém que diz “alô?Alô?” integralmente. Ao telefone, durante uma conversa, aos golpes de um filme e, mesmo sendo um expoente da poética do cuidado, entre as falas de um outro. Então, toquemos esta dimensão, a amizade, a proximidade do Tu, posto que não-ver-diferença-de-princípios-entre-um-aperto-de-mãos-e-um-bom-poema implica , mais que partilhar a referente vizinhança com Paul Celan, gastar a fala até recolher nas unhas “o silêncio feito outra distância”. Outra distância, o Tu, a amizade.

Fechamos tantas mesas quantas as que permaneceram fechadas às nossas. Aliás, quem não encontra ressonância entre as mesas fica obrigado a encontrar Fora, no espaço onde Maurice Blanchot e uma longa linhagem conviveu entre fulgurações extemporâneas. Fora, o espaço-espesso de deposição da língua que demite o linguajar fantasmagórico das especiarias e especialidades deste tempo.

Maurice Blanchot é um nome que se encontra em bibliotecas, tal como Hilda Hilst e Jorge Luís Borges que, se não viveu exatamente Fora, fez crer a própria vida na imagem da Infinita Biblioteca, de onde o mito fundador ocidental seria a Babel de todas e nenhuma língua. O nome Jorge Luís Borges, com a sua biblioteca, faz ironias das técnicas narrativas ( as máquina de guerra, as máquinas de saber, as máquinas biológicas) que preenchem a palavra Eu, meu amigo também. Pode não ser obra do acaso a homenagem “já somos a ausência que seremos” antes mesmo do início do livro. Acontece que Hudson, com precisão-concisão, radicaliza a imagem, não denúncia, mas trabalha e transita no que se pode inferir ser a zona morta da biblioteca, sua parte remissiva, os armários de índices e cadastros, onde nenhuma narratologia gravita, exceto a verificação de que a língua é o atrito contra as rachaduras no edifício e nada mais.

Talvez eu tenha perdido o ponto, mas A palavra soprada não faz reverência, antes convoca as Figuras da Linhagem ( Borges, por exemplo) para um gesto de defesa em face a perene desaparição. Alô? Alô?

Se Giorgio Agambem denuncia a inexperiente persona contemporânea como um personagem de desenho animado que atravessa o desfiladeiro correndo e que só não cai à medida que não olha para abismo aos seus pés, Hudson faz brotar as peripécias de tantos outros personagens animados que derrubam estantes inteiras para desviar de um radical embate. O gato contra rato, mas ainda – e talvez essencialmente- o de um rato, vez ou outra, vestir o humano.

Aliás, talvez agora sim o ponto. A radicalidade. Se os poemas concisos deste livro se filiam ao emudecimento, ao modo dos autores assegurados pelo condomínio de marfim, a dimensão que os atesta é exatamente outra, a do testemunho. Trata-se de um livro entre as pessoas, escrito com sangue tal conforme a linhagem dos poetas que misturaram poesia experimental e vida experimental. Acontece que a posição ética do autor é de retirada – ele jamais contaria isso a vocês, porque é tímido, porque é da ordem magmática dos poços e dos silêncios terrestes e porque sabe que falar é desfazer o índice. Talvez isto, um livro de grutas, ossos ancestrais, umidades pantanosas, elefantes mortos e sementes intactas, até outra terra germinando, mas nenhum marfim.