O último trem do vale

Descrição

Era um sobrado, a noite, a lua, a cidade... E ela ali. Sempre ela, quando vem, me traz a lembrança do trem da tarde de Minas e um vagão de antepassados. Vem a família italiana, todos os amores mal resolvidos chegam também. Vem a infância das bossas de Nara, Gal, Caymmi e da panela de pressão apitando. Vem junto o meu olhar brilhando e meu coração ancorando naquele mar de saudade. Então passa o tempo e chega enfim a mocidade. Os diálogos nas janelas, reflexões sob a lua bela e os seus dois violões. De madeira, a casa, a escada e a moldura rústica de minha vida inteira. Os acordes de Maysa e sua voz rouca, que hipnotiza; e nossos primeiros atritos. Chega a incerteza pulsante sobre a vontade de seguir adiante na estrada e, em alguma noite saudosa, confessei assim, em prosa, que seguiria a caminhada mundo afora. E ela, cansada, ao incentivar, torna-se rima em meu poema. E assim foi, em cena, na capital. Cheguei, metrópole. Conturbada por inteiro, como a cidade, sem seu seio maternal. O centro, a praça da República, os becos, teatros, artistas de rua, boemia. Era a vida chegando. E agora ela que partia. Em nova parte de mim enleio, nesse tênue transitar entre bucólico e o urbano; toda a poesia que consegui, em meu peito armazenar, dia após dia, ano após ano. De espectadora, a mesma lua, a observar, tanto surto, medo, bossa, arte e devaneio. Andando por lugares tortos, caminhei do céu ao mar, sem propósito ou receio. E hoje venho a compartilhar... Nesse mural de lembranças, das conversas na janela, dos sete anos aos vinte e sete, que guardo em mim.